Durante anos, o atleta vive em torno de um ciclo específico e envolvente: treino, competição, conquista, superação. Para cada um que atinge o nível do alto rendimento, a jornada até ali foi traçada com uma clareza implacável, há um objetivo em cada passo, uma razão para cada esforço. Mas então chega o momento inevitável que todo atleta sabe que virá, embora raramente fale sobre ele: o encerramento da carreira. Quando a linha de chegada já não é mais uma linha, e as medalhas ficam no passado, começa um novo desafio, muitas vezes o maior de todos.
A transição de carreira para o atleta é um processo único e profundo, muito além de uma simples mudança de ocupação. Para quem passou uma vida inteira definido por marcas, títulos e vitórias, desligar-se desse universo requer mais do que coragem, exige uma reinvenção de identidade. E essa busca por um novo significado raramente é suave. O esporte ensina muitas lições, mas ele não prepara para o “depois”. E o “depois” traz consigo não apenas a perda da rotina, mas a perda de uma identidade que foi construída e reconhecida publicamente ao longo dos anos.
Nesse contexto, a transição se torna não apenas uma fase, mas uma nova arena, onde o atleta se vê sozinho, sem plateias, sem aplausos, sem a certeza do próximo desafio. A questão não é apenas “o que fazer agora?”, mas “quem ser agora?”. A ausência do esporte revela um espaço em branco, um vazio que alguns preenchem com novas carreiras, outros com projetos sociais, outros ainda com a própria busca por propósito fora dos pódios. E, em meio a isso, surge a necessidade de ressignificar o valor que sempre foi atribuído a si mesmo.
Aqui, talvez seja importante lembrar que a transição bem-sucedida não acontece da noite para o dia. Ela exige planejamento, e esse planejamento pode, e deve, começar ainda durante a carreira esportiva. Um dos maiores conselhos que se pode dar a um atleta é que comece, ainda no auge, a explorar interesses fora do esporte, a desenvolver habilidades que lhe tragam prazer e que possam abrir novas possibilidades. Saber onde quer chegar após a aposentadoria é um grande diferencial, pois fornece uma estrutura emocional que, na maioria das vezes, faz toda a diferença.
Outro ponto essencial é buscar apoio psicológico, um recurso ainda subestimado no mundo esportivo, mas fundamental nesse processo. Aceitar que há desafios emocionais na transição não diminui o atleta, pelo contrário, torna-o mais preparado para encarar essa nova etapa com equilíbrio e resiliência. Procurar profissionais especializados ou grupos de apoio é uma escolha que tem um impacto positivo comprovado.
E para quem está do outro lado, seja familiar, amigo ou mentor, apoiar o atleta com paciência e presença é fundamental. Oferecer um espaço onde ele se sinta valorizado pela pessoa que é, e não apenas pelas conquistas, pode trazer uma tranquilidade que se traduz em clareza para encontrar novos caminhos. Ter uma rede de apoio faz toda a diferença, e cultivar essas relações, muitas vezes negligenciadas na intensidade da carreira, é um passo importante.
A pressão do desempenho constante, que foi sua marca e sua força, agora se torna uma sombra que precisa ser entendida e reconfigurada. Para alguns, a transição é a chance de explorar paixões reprimidas, de abrir novos caminhos profissionais, de reconectar-se consigo de uma forma mais plena. Para outros, o processo é mais longo, mais doloroso, exigindo uma resiliência que o esporte nunca chegou a exigir. E então, talvez a maior descoberta de todas: não é mais sobre vitória ou derrota, mas sobre uma maturidade que o acompanha para além do esporte.
Ao longo dessa jornada, o atleta percebe algo profundo: o legado que construiu, na verdade, vai além das medalhas e troféus. Descobre que a grande conquista está em se permitir recomeçar, em aceitar que os resultados continuam a existir, mas em outras áreas da vida. O esporte ensinou disciplina, força, coragem. Agora, é o momento de aplicar tudo isso em uma nova direção.
Ao final, a transição é um processo de autoconhecimento, uma oportunidade de se olhar sem as lentes do público, sem o peso das expectativas. E nessa introspecção, o atleta pode descobrir um significado mais amplo de sucesso: o de uma vida que não precisa de aplausos para ser valiosa. A maior vitória talvez não esteja na arena, mas na capacidade de encontrar propósito e paz em qualquer fase da vida, respeitando o próprio ritmo, com a tranquilidade de quem já superou o maior desafio de todos: redefinir a si mesmo, sem perder o valor.
No fim das contas, a pergunta essencial talvez não seja ‘o que fazer agora?’, mas ‘como continuar sendo quem realmente somos, mesmo sem o palco das competições?’. É sobre levar adiante o valor construído, a essência que define o atleta, e transformá-la em algo que vá além do esporte. Porque o verdadeiro legado não é aquilo que termina na ultima competição, mas aquilo que continua ressoando, encontrando novas formas de existir.
Kleber Maffei
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